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Crítica//Título em Suspensão

Nityama Macrini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Movimento (in)visível do som

Brasília, 18 de abril de 2018
 

Rodolphe Alexis,
 

Resolvi escrever-lhe esta carta após ter assistido ao Título em Suspensão, solo de Eduardo Fukushima, que abriu o Movimento Internacional de Dança (MID) 2019. Segurar na mão a sua composição musical e operação de som, como se fossem uma pedra dentre outras menores que escorreram entre meus dedos, parece-me mais honesto. O que soa talvez destoante diante da tendência escrota que temos (público, artistas, críticos e críticas) de hierarquizar elementos nas linguagens da cena, evidenciando aquilo que a normatividade induz a tratar como mais importante: o diretor.
 

Porém, é dessas rédeas que fujo quando pratico meu ofício (meta) crítico. Como essa é a primeira das cartas que escrevo ao MID, tenho que lhe apresentar uma prática que carrego comigo intitulada de “desnudamento”. Consiste basicamente em deixar escorrer pela ponta dos dedos aquilo que me atravessa a partir do afeto, quando me deparo com uma obra cênica – não no sentido egóico, mas por meio de uma subjetividade assumida, que trata a percepção e a memória como fatores relevantes para exercer a crítica. 
 

Daí preciso me debruçar sobre a presença do som na minha vida de “coda” (child of deaf adults), que pode ser traduzida por “filho de pai e mãe surdos”. A responsabilidade de um “coda” é ser os ouvidos dos pais ao longo de uma vida, como se fosse uma missão inerente à própria existência. Esse lugar que ocupo no mundo me fez sentir a paisagem sonora que você criou como o elemento de impacto e presença viva na obra de Fukushima. Coincidentemente, “coda” também é o nome atribuído a um código secular de partituras musicais – sinaliza início ou fim.
 

Seu som em suspensão se expande, comprime-se, acalanta, oprime, convida, oscila entre delicadezas, fluidez e rupturas num movimento instigante e antiteticamente visual. Até porque observar o comportamento do público naquela enorme arena vazia do Teatro Galpão, do Espaço Cultural Renato Russo, era também observar a mim mesmo. Em tempos de superabundância imagética típica do século 21, no qual somos bombardeados de signos e cores em alta velocidade, absorver a experiência de ouvi-lo em meio à calma respiratória de Fukushima é romper com os limites de uma tradição.
 

O homem pré-histórico, em solidão, propondo dois paus e uma pedra como ignição do movimento diluiu-se em meio a sua vibração, Rodolphe, que provoca zonas de maior e menor compressão de partículas de ar, originando uma onda não somente sonora, mas quase visível aos nossos olhos – esse foi o movimento de dança que me atravessou. O solista, que dança sua “não-dança” aos que se sentem esquecidos e derrotados, tornou-se estranhamente invisível, talvez pouco comunicável – ainda que estivesse como epicentro do desabamento sonoro que presenciamos. Título em Suspensão apresenta o Som como corpo que dança.
 

Em assentamento,

 

Danilo Castro*


*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC), mestre em artes cênicas (UnB) e autor do blog de críticas (www.odanilocastro.blogspot.com). 

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