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Crítica//Happi, La Tristesse du Roi

         Nityama Macrini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A potência de percorrer caminhos - Happi, La Tristesse du Roi

Isabella de Andrade*

Eu queria saber descrever em palavras a força dos olhos de James Carlés. Mas não sei. O que posso fazer é aproveitar o espaço para compartilhar o êxtase que senti ao acompanhar a coreografia cheia de luta, raízes e história. Em cena, um corpo em total estado de presença preenchia o palco. Ao seu redor, um espaço cênico cuidadosamente pensado misturava luzes, elementos plásticos e uma instalação em vídeo que multiplicava as possibilidades da cena e dançava junto ao intérprete. Happi, La Tristesse du Roi (A Tristeza do Rei) é um experimento cênico e histórico.

 

James, um francês de origem camaronesa, pulsa uma energia forte no palco e captura os olhares atentos da plateia desde o primeiro instante da performance. O coreógrafo é conhecido por sua pesquisa sobre a diáspora negra e ocupou o teatro com o solo coreografado por Heddy Maalem.  Carlés trabalha com a investigação do corpo e da diáspora africana há quase três décadas e a companhia que leva seu nome carrega mais de 50 montagens permeados pelo tema. A obra parte da história de alguém que realmente existiu, um rei chamado Happi. Sua tristeza e memória são explorados na performance.

 

Um corpo forte em pleno estado de troca nos permitia experimentar a potência da história contada sem a necessidade de uma narrativa linear. O colorido das luzes projetadas, a energia da vídeo coreográfico e a presença vital do performer trataram de mostrar as possibilidades e experiências humanas ao trilhar caminhos. No vídeo, observamos aos poucos a figura de um homem negro que se desfaz. A dança contemporânea abre espaço para a experiência ancestral e enxergarmos, no corpo em cena, a movimentação que mistura técnica, ritmo e raízes.

 

Força, potência e vitalidade se expandem do rosto focado ao início da projeção. Aos poucos ele se desfaz, perde-se por inteiro. Simultaneamente, a vitalidade de Carlés sucumbe para dar espaço ao vazio e acompanhamos seu desaparecimento em um enorme pano branco que ocupa a acena. A tristeza de toda a ausência pulsa na pele de cada corpo presente no teatro. Um estado de total silêncio toma conta do espaço. Sinto-me incapaz de expressar o êxtase.

 

O projeto do artista busca criar um fluxo entre o sagrado e a dança poética. A origem africana mistura-se ao talento para unir modernidade e ancestralidade em cena. O resultado é um encantamento aos olhos um diálogo cênico que experimentamos percorrer a pele. O olhar de James não se enfraquece, não distancia. Durante toda a performance, o corpo firme nos conduzia a uma trajetória que oscila em diferentes ritmos e tons. Eu não saberia explicar com precisão a poesia da narrativa proposta pelo artista. Mas experimentei a potência de um corpo que se propunha a dialogar com o tempo presente e a luta de seus antepassados. Enxergo um homem, um reflexo, um guerreiro, um rei, um novo caminho.


* Isabella de Andrade é jornalista, atriz e escritora. Graduada em Comunicação Social e Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, foi repórter de cultura por três anos no Correio Braziliense e arte-educadora no CCBB. Tem dois livros publicados e é idealizadora do projeto cultural www.ociclorama.com.

 

 

 

 

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