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19/4

Crítica//Murmures

 

 Nityama Macrini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um diálogo forte e baixinho entre os corpos

Isabella Andrade*

Uma conversa íntima entre dois bailarinos da Bélgica fez ressoar o pontapé inicial do Movimento Internacional da Dança (MID) 2019. Quantas línguas podemos falar pelo corpo? E quantas linguagens? Murmures foi preparado para composições criadas em solo, duo ou quarteto. Em Brasília, um homem e uma mulher dão vida à experimentação proposta. A coreografia se permite ser fluida e leve, ao mesmo tempo em que se mostra forte e profunda. A linguagem do corpo permite interpretações diversas e, sem perceber, eu me encontro submersa na história de idas e vindas que, aos meus olhos, se apresenta no palco.

O movimento coreográfico se apresenta como um murmúrio, uma conversa sussurrante entre os performers. Em cena, encontros e desencontros entre os corpos me levam a transitar pelo desejo de se agarrar com força, e de qualquer maneira, em alguma relação. A bailarina é expressiva não somente em cada gesto, mas também através dos olhos e da própria respiração. Um som cadenciado de respiros curtos me leva ao esforço do cotidiano repetitivo.

As relações no palco se intercalam entre momentos mais introspectivos de cada bailarino e movimentos bem preparados entre o casal. A necessidade de manter contato, a pressa em retomar a proximidade com o outro corpo e os cruzamentos fortes e excessivos de dedos, braços e mãos criam a sensação de uma relação de dependência entre os personagens. Ao menos para ela. Murmures parece pedir baixinho que o outro não vá embora.

Em cena, é possível acompanhar diferentes fases de uma caminhada a dois. Ele, mais firme, com movimentos curtos e rápidos, parece, em parte, dar sustentação às tentativas de envolvimento dela. Por outro lado, o bailarino mostra uma relação de dominância e poder na maior parte do tempo. A relação se inverte quando ambos se enroscam em um canto do palco e ela, com equilíbrio e leveza, pisa em cima de um corpo inerte no chão. Nesse momento, um jogo interessante entre luz e sombra dá destaque à silhueta da bailarina que, quando observada apenas por este ângulo, parece estar sozinha no palco. Percebo um pouco de solidão ainda quando estão juntos.

A bailarina mostra um corpo veloz, preciso e bem preparado. Enquanto isso, ele cumpre sua função de enriquecer a cena de maneira mais inerte. A coreografia consegue captar a atenção do público e contar uma história sem grandes adereços. Luzes fixas no palco e um figurino quase neutro. Preto, para ele e também preto com tons de vermelho para ela. Parece existir algo de paixão, representada pela cor e pela urgência dos gestos, apenas em um dos lados.

A trilha sonora bem construída cria a sensação de proximidade com quem observa a movimentação. Escuto o ruído da voz macia sem grandes sobressaltos, e tenho a sensação de ouvir de pertinho quem me conta – ou mostra- a história.  Murmures se permite experimentar sem se ausentar do diálogo com o público e mostra que uma boa narrativa pode ser construída em quase, ou total, ausência de expressão verbal.

* Isabella de Andrade é jornalista, atriz e escritora. Graduada em Comunicação Social e Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, foi repórter de cultura por três anos no Correio Braziliense e arte-educadora no CCBB. Tem dois livros publicados e é idealizadora do projeto cultural www.ociclorama.com.

 

 

 

 

 

 

 

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