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Desidério Moraes
Por uma pós-dramaturgia do movimento
Experimento crítico ao espetáculo Tears, de Edivaldo Ernesto, apresentado em 20 de abril de 2019, durante o festival Movimento Internacional de Dança (MID), no Tetro Plínio Marcos, em Brasília.
Por Danilo Castro*
Uma-crítica-autocrítica.
Uma-dança-não-dançada.
Um-explosão-implodida.
Uma-multidão-vazia.
Um-vazio-preenchido-por-um-homem.
Um-público-branco-preenchido-por-um-bailarino-preto.
Um-crítico-preto.
Uma-crítica-preta, com-rupturas, ligamentos-e-pontos-finais.
Um-crítico, apenas.
Um-bailarino, apenas.
Um-público, apenas.
O-poder-no-preto.
O-privilégio-nos-brancos.
Um-bailarino-moçambicano.
Um-Brasil-que-endossa-a-colonização.
Uma-crítica-ainda-colonizada.
Uma-crítica-que-tenta-fugir-da-imposição.
Uma-dança-que-transcende-a-norma.
Um-comportamento-que-explode-rumo-à-descolonização. (1)
O-barulho-das-correntes-arrasta-no-chão-e-nos-ouvidos.
Das-correntes-invisíveis-que-ainda-aprisionam.
Um-homem-que-luta.
Um-homem-que-não-se-permite.
Um-homem-que-golpeia-incansavelmente.
Um-homem-que-dança-regido-pelos-seus-próprios-sons.
Pelos-seus-próprios-golpes.
Pelo-seu-próprio-suspiro.
Os-brancos-observam-inertes, como-sempre.
Um-pacto-social-é-estabelecido-entre-quem-mostra-e-quem-vê.
Uma-dança-solitária.
Uma-dança-sociológica.
Um-crítico-político.
Um-homem-entre-o-medo-e-a-curiosidade.
Uma-crítica-entre-a-experimentação-e-a-dúvida.
Uma-crítica-acorrentada-por-hifens.
Uma-crítica-em-performance. (2)
Uma-dança-que-morre. (3)
Um-público-que-a-faz-renascer-por-meio-de-novos-olhares.
Novas-abordagens-perspectivas-percepções.
Uma-dança-supostamente-em-lágrimas.
Uma-crítica-que-não-chora.
Uma-crítica-em-fluxo-da-consciência. (4)
Cânticos-sacros-rasgam-a-performance.
A-sonoplastia-captura-o-homem.
O-homem-dança-sob-a-tensão-invisível-presente.
A-música-não-casa-com-o-movimento.
Uma-dança-ao-cristianismo-hipócrita.
Cristianismo-que-por-séculos-usou-a-bíblia-para-justificar-sua-pervesidade-racista. (5)
Uma-dança-claustrofóbica.
Uma-áurea-escravocrata.
Uma-ampla-prisão-que-comprime-a-apreciação.
As-senzalas-que-habitam-em-nós-aparecem.
As-casas-grandes-que-habitam-em-nós-assustam.
Até-onde-oprimo?
Até-onde-sou-oprimido?
Até-onde-me-liberto?
Até-onde-invado-a-liberdade-do-outro?
Até-onde-meus-medos-aprisionam-minha-liberdade?
O-corpo-brilha-seu-próprio-suor.
O-corpo-virtuoso-e-potente-desenha-a-cena.
A-cena-emerge-da-fumaça.
A-cena-reflete-sobre-libertação.
O-crítico-louva.
O-crítico-que-sugere-a-investigação-de-novos-arranjos-entre-imagens-e-sons.
Uma-dança-que-se-propõe-a-explodir-imprevisível.
Mas-que-sua-composição-cíclica-a-torna-previsível.
Uma-dança-onde-o-movimento-parece-perdido-esgotando-em-si-mesmo.
Seria-hora-de-uma-pós-dramaturgia-do-movimento? (6)
A-boca-se-abre.
Uma-mão-esmurra-a-boca.
O-som-se-esvai.
A-luz-foge-calmamente.
O-público-aplaude-calorosamente.
1 – Palestra-performance sobre Descolonização do Conhecimento, de Grada Kilomba (2016);
2 – Noção de Crítica em Performance, de Lúcia Sander (2007);
3 – Referência ao livro A Morte do Autor, de Roland Barthes (1968);
4 – Referência ao estilo de escrita por associação do pensamento em fluxo, termo alcunhado por Édouard Dujardin (1888);
5 – Referência à Bíblia Sagrada. Em Gêneses 9:1-29, Noé amaldiçoa o neto: "Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos". Canaã é filho de Cão, que significaria, em hebraico, escuro ou queimado. Na perspectiva bíblica, Cão foi o responsável por povoar a África após o dilúvio. Esse motivo legitimou a escravidão imposta pelos europeus ao povo negro - os colonizadores, por meio de uma interpretação cínica da Bíblia, estariam autorizados a explorar o “povo amaldiçoado”;
6 – Referência ao livro O Teatro Pós-dramático, de Hans-Thies Lehmann (1999).
*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC), mestre em Artes cênicas (UnB) e autor do blog de críticas (www.odanilocastro.blogspot.com).