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Crítica//Homem Torto

Nityama Macrini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como nascem as borboletas

 

 

Brasília, 19 de abril de 2019
 

Fukushima,

Como um vagabundo que flana descompromissado, mais uma vez vivi uma experiência assinada por você no Movimento Internacional de Dança (MID), na mesma ampla sala vazia do Teatro Galpão, no Espaço Cultural Renato Russo. Se ontem, com o seu Título em Suspensão, estive pouco atravessado por sua presença - quem sabe devido a uma paisagem sonora que pousou sobre você. Hoje, com o seu Homem Torto, inflei-me do modo com seu corpo se expandiu na arena.


O livro Letters sur la Danse, do professor e bailarino francês Jean-Georges Noverre (1727-1810), veio a público em 1760. Ele estava no auge da carreira. O bailarino mineiro Lucas Pierre (1985), que trabalhou na companhia da coreógrafa Débora Colker, disse-me certa vez que a terceira década de um bailarino é considerada um período onde há maturidade técnica e física para a execução dos movimentos com primazia.


Eis que você vive a plenitude de Noverre e Pierre. Tanto que seu corpo produz o poder magnético de atração e repulsão instigantes na maneira como exerce seu ofício em cena. Mas de que movimentos estamos falando? Certamente não é do plié, jeté ou grand battement. Ou quem sabe é justamente da desconstrução deles, envoltos pela respiração ofegante e pelos grunhidos que reverberam pelos seus membros.


Noverre também escrevia cartas-críticas questionando a rigidez imposta pelo balé tradicional. Ele dava aulas na Académie Royale de Musique et Danse, em Paris. Era nesse espaço onde ele atuava como tutor e artista, levando-o a conclusões que o fizeram acreditar em novas formas de comunicação por meio de um balé mais livre, baseado na sensibilidade dos intérpretes para além da normatividade técnica. Sua obra propôs uma espécie de “reforma” em noções rigorosas do balé.

 
Talvez seja essa a ponte responsável por levar o público para mais perto de seu solo, que pendula entre um passarela envolta de gente curiosa para ver o seu corpo disforme negando a simetria das partituras físicas que as danças clássicas exigem. E, dessa vez, a plástica sonora de Tom Monteiro (composição de som) pareceu-me dançar com você num casamento esguio, desequilibrado e cheio de rupturas – somado ao arenoso barulho da chuva que desabava lá fora. E é nisso que está o vigor de sua obra, como uma borboleta que tenta alçar voo, ainda desengonçada, logo após sair do casulo e esticar pela primeira vez as asas aos ventos.


O livro A Dança Possível, da cearense Rosa Primo, traz uma abordagem sociológica e antropológica da dança cênica no Ceará, problematizando-a nos dias atuais a partir de contextos anteriores. Para ela, a rigidez do balé clássico muitas vezes refletia argumentos de opressão e conservadorismo. E é disso que precisamos fugir, ainda mais em tempos de exacerbação do ódio, alienação de corpos e mentes; e aniquilamento das sensibilidades que tanto vêm adoecendo o estado psico-político no Brasil.
 

Com respeito,


Danilo Castro*
 

*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC), mestre em Artes cênicas (UnB) e autor do blog de críticas (www.odanilocastro.blogspot.com). 

 

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