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27/4

Crítica//Vin\co

Nityama Macrini

 

 

 

Sobre permitir-se à pausa -

Cronologicamente longo, espetáculo teve o tempo que deveria ter

Isabella de Andrade

A companhia brasiliense dançapequena ocupou o Teatro Galpão cheio de histórias, do Espaço Cultural Renato Russo, em um dos espetáculos mais longos de todo o festival. Com cerca de 70 minutos de duração, a coreografia de Daniel Lacourt e Julia Henning (com participação de Édi Oliveira), convidou o público para apreciar a passagem vagarosa do tempo na noite de sexta-feira (26). Sem pressa, os performers criaram diferentes narrativas não lineares em cena. O jogo era preenchido pelo diálogo entre corpos, palavras, papéis, sons, figuras, luz, sombra e figuras geométricas. O espetáculo se propõe a experimentar o palco em múltiplas linguagens.

 

Durante e ao fim da apresentação me perguntei se a coreografia não teria excedido seu tempo em cena. Constantemente, me questionei se a performance, com mais de uma hora de duração, não estaria longa demais, precisando de alguns pequenos recortes para enfatizar seus momentos de maior brilho. Hoje, penso que o espetáculo teve o tempo que deveria. Logo me percebi enquanto espectadora acostumada a um cotidiano atribulado, viciado em receber informação rápida e veloz. Vin\co se permite experimentar a calmaria do instante e é essa relação calma e cúmplice com o tempo que precisamos recuperar.

A performance foi criada entre as inúmeras possibilidades do papel. O elemento apareceu em formas geométricas para delimitar espaços, foi rasgado e amassado para acompanhar o movimento corporal dos intérpretes, criou pequenos animais em cena, misturou-se às cores da luz, transformou-se em tela para uma pintura transparente e feita em água, virou cama, pássaro, tecido, prisão e cobertor. Vi o papel, transformado em protagonista, deslizar e dançar, ocupando todos os espaços possíveis da cena.

Apesar de não identificar uma narrativa linear e histórias prontas em cena, pude experimentar um pouco da relação criada entre os dois intérpretes. A presença do bambu ao longo de toda a coreografia parecia criar um elo constante de ligação, ou repulsa, entre eles. Os corpos se experimentavam e se mantinham conectados, muitas vezes, pelo toque suave do bambu, que se misturava às cores claras dos figurinos.

Alternando o tempo, o ritmo e os elementos, Vin\co conseguiu manter uma relação suave com o público. Por vezes, as figuras criadas me despertavam um olhar onírico e quase infantil para a cena. Sem pressa, enxerguei e escutei o que parecia ser pipoca estourando em um grande saco de papel, vi um porquinho em tons de rosa, um elefante, uma cabana. Os movimentos mais fluidos se alternavam com instantes de pulso mais forte, explosivo, veloz.

No fim, uma grande bola amassada ocupava o espaço central da cena. Lembrei-me dos rascunhos de texto, dos rabiscos, desenhos, ideias, dos cadernos de poesia e da folha que se amassa e muda de página para dar espaço a outras explosões criativas no papel. Vin\co é um grande, lento e delicioso experimento.

Isabella de Andrade é jornalista, atriz e escritora. Graduada em Comunicação Social e Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, foi repórter de cultura por três anos no Correio Braziliense e arte-educadora no CCBB. Tem dois livros publicados e é idealizadora do projeto cultural www.ociclorama.com.

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